De tudo de bom e ruim que aconteceu na noite do Oscar 2022, o que mais se fala é o tapa que o ator Will Smith deu no apresentador e seu amigo Chris Rock. E não é pra menos. Eu quero principalmente falar sobre meus insights, mas preciso contextualizar. Se você já sabe o que aconteceu, pode pular para a parte de "E se fosse contigo?", senão, leia "O que aconteceu" logo abaixo".
O que aconteceu
Se você não sabe o que aconteceu, vou resumir aqui, mas você pode ver o artigo completo no G1 e o vídeo na íntegra nos links ao final desse artigo. Por enquanto eu te peço, vem comigo!
Resumo: Chris Rock, famoso por suas piadas ácidas e pela série "Todo mundo odeia o Chris", (escrita por ele onde narra sua difícil infância), apresentava o Oscar e comentou que torcia para Will Smith vencer como melhor ator. Ele aproveitou para fazer uma piada sobre a esposa de Will, Jada, que estava com a cabeça raspada. Ele diz: "Jada, eu te amo, não vejo a hora de você estrelar 'No Limite da Honra 2' (G.I. Jane no título original em inglês)". A referência do filme é da estrela do filme original, Demi Moore, que está com a cabeça raspada no filme.
Após a piada, Will riu, mas Jada fechou a cara, visivelmente incomodada porque, no seu caso, a cabeça raspada tem a ver com uma doença que ela enfrenta, chamada alopecia, que causa queda de cabelos. Poderia ser uma ótima piada ou mesmo um incentivo, porque o papel de Demi Moore no filme foi de uma mulher forte, a coisa poderia ter ido para esse lado, mas não foi.
Ao ver a esposa chateada, Will mudou imediatamente de postura, se levantou, foi até Chris Rock e deu-lhe uma enorme bofetada. Se virou, voltou ao seu lugar com a cara totalmente fechada e gritava "tire o nome da minha mulher da p*rra da sua boca!". Chris Rock, visivelmente sem graça, machucado e constrangido, só respondeu "uau, acabei de ser esbofeteado por Will Smith... isso vai entrar para a história do Oscar... pode deixar, já tirei o nome dela daqui."
A cerimônia do Oscar seguiu com um baita climão para, na sequência, anunciarem o vencedor da categoria de melhor ator, que foi justamente... Will Smith. O ator sobe, pede desculpas a academia e aos seus colegas, sem citar diretamente Chris Rock. Chorando, ele diz estar passando por muita pressão, para seguir por um caminho novo de mudança, um caminho de amor. Que é difícil quando se tem que sorrir quando as pessoas abusam de você e te falam coisas horríveis, e você tem que agir como se tudo fosse normal.
E se fosse com você?
Muitas pessoas estão apoiando a atitude de Will Smith, que defendeu a mulher. A pergunta aqui é: o que Chris Rock fez foi um ataque? Ou será que foi uma piada que não caiu bem? Se a Jada levasse para o lado de ser uma mulher forte como a personagem de Demi Moore no filme, poderia ter sido uma boa piada ou mesmo virado um elogio ou exemplo de superação.
Mas a verdade é que ela está abalada com a doença e, mesmo assumindo publicamente, mesmo exibindo para as pessoas sua condição, ela está sensível a isso. Mas até ela se ofender com o que o Chris Rock falou, como alguém poderia saber disso? Ou talvez ela não goste do Chris Rock, e aí qualquer que seja a piada que venha dele, não é bem recebida. Você já passou por isso, tenho certeza: quando você não gosta de uma pessoa, ela pode te fazer o que for, você fica com raiva dela, mesmo que seja um elogio, tudo soa como ofensa.
Quanto ao Will Smith, ele começa rindo da piada. Ele imediatamente ri, provavelmente porque conhece o Chris Rock há tempos, são amigos e já riram de muita coisa e muitas pessoas juntos. Mas de repente, sua esposa está chateada e ele se transforma do cara risonho para o bicho peçonhento, tomando as dores dos seus e resolvendo retribuir a dor a quem a causou.
Eu conheço a situação, o sentimento. Me lembro de certa vez que estava com a Amanda, minha primeira filha, ela com 3 aninhos, numa loja de brinquedo. Eu estava sentado num banco da loja quando ela veio correndo na minha direção e uma mulher, que vinha apressada, não a viu e a chutou com um passo que deu, a arremessando pra frente. Ela caiu chorando e na hora eu levantei e fui na sua direção para acudi-la.
A mulher, muito sem graça e desesperada, pedia desculpas e queria saber o que poderia fazer. Com calma, eu disse que não foi nada e que ela fosse embora. A verdade, é que por dentro eu estava com muita raiva eu queria pegar a mulher pelo pescoço pelo que fez com minha filha. Mas algo em mim me dizia "foi sem querer, foi um acidente, ela não viu a Amanda, ela está arrependida, a Amanda não se machucou tanto". Por outro lado, tinha uma voz que dizia "então manda essa mulher embora porque não vou conseguir ser tão educado por muito tempo".
Eu conheço a raiva de ver alguém machucando ou ofendendo alguém que amo. Entendo o que o Will Smith sentiu. Mas não posso concordar com o que ele fez.
Quando eu pergunto: "E se fosse contigo", muito provavelmente você foi pela linha de raciocínio que eu descrevi até aqui. Se fosse você a pessoa ofendida, se a pessoa ofendida fosse sua mulher, marido, filho. É muito mais comum se afinar e solidarizar com a vítima, a pessoa agredida. Mas quero te convidar a se sentar numa outra cadeira agora. E se você fosse o Chris Rock? Se você fizesse um comentário com alguém que você conhece de longa data, um amigo e amiga queridos, que você se permitisse brincar e do nada, na frente de todo mundo, sem falar uma palavra, esse amigo te batesse com toda força. É isso que você acha que merece por ter ofendido alguém?
Pois eu penso muito nisso. Penso em todas as vezes que somos inconvenientes, mal educados, racistas, ofensivos, difamadores, descuidados, desatentos, indiferentes e inoportunos. Todas as vezes que erramos com desconhecidos e mesmo com pessoas muito bem conhecidas, até mesmo amadas por nós. É isso que merecemos? É assim que queremos ser tratados quando falharmos com alguém?
É assim que vamos resolver nossos problemas?
Ultimamente, tenho acompanhado algumas celebridades que estão passando publicamente por isso: levam suas discussões para o ringue. Literalmente! Dois dos maiores e mais fortes caras do mundo, Eddie Hall e Halfthor Bjorsson, ambos atletas da modalidade Strong Man, se desentenderam, um ofendeu o outro e decidiram resolver isso com uma luta de boxe, que acabou com os dois com um com o olho roxo, um dito campeão, o outro perdedor e ambos insatisfeitos.
Tem uma coisa sobre brigar que as pessoas não entendem, e é por isso que tanta gente acha que brigando é que se resolve as coisas. Briga não é um lugar onde um fica parado e o outro bate. Briga é um lugar onde ambos batem, ambos descontam sua raiva, ambos se machucam, se humilham, e machucam um ao outro.
Me lembro de quando eu era criança e brigava com meus amigos. Quantas vezes brigamos até tirar sangue um do outro. A sensação de vitória vinha seguida de culpa, de ver meu amigo machucado. E a vitória não era limpa, era dolorosa, porque eu apanhava também e os socos que levava, doíam também.
Não gente, não é assim que se resolve as coisas. Não é. Não acho que devemos deixar o que é errado passar impune, longe disso. Mas há tantas outras formas, pacíficas, de resolver as coisas. Olha o que está acontecendo entre Rússia e Ucrânia, quantos mortos e feridos, que não vão ter resolução na sua vida com o que ocorre. Olhe os dois gigantes que lutaram, ambos pais de família, com seus pais, suas esposas e filhos, machucados, e machucando uns aos outros. Não podemos sair batendo em quem nos ofende e nem apanhando também.
Eu acredito que há alguns pontos que são importantes aprendermos, e me incluo nisso, porque é um exercício diário pra mim enxergar as coisas de um jeito mais pacífico. Mas um exercício que vale a pena, abrir mão do meu orgulho e do jeito que sou, para ter mais paz na minha vida e na vida de quem eu amo.
Primeiro, precisamos entender que ninguém tem obrigação de saber onde estão nossas feridas. Quando alguém toca num ponto dolorido ou sensível nosso, seja no nosso corpo, seja na nossa mente, não podemos presumir que essa pessoa saiba da nossa dor. Mesmo que já tenhamos avisado anteriormente, ninguém tem obrigação de lembrar de tudo sobre nós. Aliás, nem nós mesmos lembramos ou sabemos. Estamos constantemente nos descobrindo, novos pontos de prazer, novos pontos de dor. A não ser que você tenha uma evidência cabal de que a pessoa fez para te machucar, dê o benefício da dúvida e não julgue essa pessoa como inimiga, mas desavisada ou desatenta.
Segundo, aprender que, a medida em que formos conhecendo nossos pontos sensíveis ou doloridos, podemos cercar esse local, não falar sobre isso, não expor para todo mundo, justamente porque não é qualquer um que pode tocar, como certas feridas físicas que é melhor um médico cuidar, ou uma psicológica que é melhor um psicólogo tratar. E caso alguém invada esse espaço, seja por não saber da limitação, ou ter esquecido dela, ou mesmo por estar invadindo, temos que avisar as pessoas que não queremos ser tocadas daquela forma ou falar de determinado assunto. Educadamente, mas com firmeza, para demonstrar que não está brincando, dizendo: isso é sério, por favor, não quero falar sobre isso, não quero ser tocado nesse local, espero que você me respeite.
Terceiro, aprender a respeitar os pedidos das pessoas para não serem tocadas ou falarem de certos assuntos. Nós não entendemos o tamanho da dor dos outros, mas podemos ter uma certeza, cada um sabe o que e aonde dói em si. E não é porque não dói no mesmo lugar, que devemos desconsiderar. Dor é dor, cada um tem a sua. E não é preciso entender, mas é fundamental respeitar. Respeitar é aceitar o limite que o outro impõe sobre até onde podemos ir. Quando fizermos isso, poderemos também ser respeitados para aquilo que consideramos nossos limites.
Quarto, aprender a pedir desculpas. Não importa que foi sem querer, quando você machuca alguém, é importante se desculpar. Se desculpar é endossar que foi sem querer, é atestar que não se teve a intenção, é verbalizar ao outro que você sabe que causou dor ou mal e que está chateado por ter feito isso. É preciso muita humildade para fazer isso, mas garanto que vale a pena, se desculpar de verdade, saber o que foi feito que não ficou legal. E a medida do possível, buscar reparar esse mal, se houver como.
Por fim, aprender a aceitar as desculpas. Na hora da dor, muitas vezes a raiva vem junto de quem causou a dor. E essa raiva vira mágoa ou rancor, porque achamos que foi intencional. Alimentamos uma história e guardamos ressentimento, ou seja, ficamos sentindo novamente a dor e acusando quem a causou. Quando na verdade, devemos esperar a dor passar e ouvir quem a causou. Quão ruim é um mundo sem perdão! Podemos seguir sem perdoar os outros, mas nós também não precisamos inúmeras vezes de perdão, por tantas coisas que fazemos e não damos atenção, ou então que nem sabemos que causamos?
Eu sei o que você pode estar pensando ao chegar aqui, depois de tantos pensamentos quase utópicos sobre a vida e sobre como resolver conflitos. Eu me baseio naquilo que vivi, como ofendido e como ofensor. De todas as vezes que precisei perdoar e pedir perdão. E me lembro dos ensinamentos nesse sentido do maior mestre de todos, Jesus, que está na oração dominical, o Pai Nosso: "perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos aqueles que nos têm ofendido".
Certa vez, quando eu dava uma palestra sobre perdão, ao final uma pessoa da plateia me indagou diante de todo mundo: "tudo isso que você falou é muito bonito, mas e se fosse com você, que alguém machucasse sua esposa, suas filhas, o que você faria?". Eu respondi: "o que eu faria não importa, porque eu não sou o modelo moral que se deve seguir. Não convidei você a seguir meu exemplo, mas o de Jesus, que até na hora da morte, perdoou seus assassinos."
Dessa forma, convido a você a olhar para exemplos melhores a se seguir no mundo, aqueles que buscam paz, consenso, resolução. Eu estou compartilhando aqui conhecimentos muito antigos sobre fatos muito novos. Ainda não aprendemos, mas cada novo evento nos dá a chance de revisarmos quem somos, como pensamos, como agimos e reagimos. E se conseguirmos ser um pouco melhores hoje do que fomos ontem, podemos mudar muito sempre.
Desejo que possamos trazer paz e perdão no nosso coração. O mundo muda com o que trazemos de melhor dentro de nós e colocamos para fora.
Um grande abraço!
Paulo Bomfim
28/03/2022
Onde acessar o que aconteceu:
Para ler a matéria completa, acesse o site do G1 nesse link: https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/oscar/2022/noticia/2022/03/27/will-smith-da-tapa-na-cara-de-chris-rock-durante-o-oscar-2022.ghtml
Para ver o vídeo na íntegra, veja no canal do Guardian News no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=myjEoDypUD8
Ótima reflexão Paulo!
Ache interessante o ponto "Eu me baseio naquilo que vivi, como ofendido e como ofensor. " Todos nós temos situações em que somos as vítimas e somos os carrascos.
Na hora da emoção é difícil ter a serenidade e fazer os julgamentos que nas horas de "tranquilidade" teríamos.
Soube da notícia por alto, e com seu texto, podero para considerar o outro lado da história.
Abraços